domingo, 27 de setembro de 2009

Lembrar dos amigos é Carnaval n'alma

E a primavera chegou
como um inverno n'alma.
Oca, insossa e vazia.
Chegou com cheiro de jazigo
e gosto de desalento
Já posso ouvir o batucar
dos ensaios de samba.
A bateria, os surdos e tudo mais.
Já posso ver o caminhar dos bambas
noite afora a ingressar.
Tudo isso e o calor na cidade
não sinto com a alma.
Essa ainda tá fria,
ou me parece vazia,
Ou então que todo sorriso
que trago dos últimos meses comigo
foi falso, ou estranhamente forçado.
Sorriso que sepultou memórias
e também as mesmas histórias
que insistem em retornar.
Me lembro que a única felicidade
que me parece de verdade
é aquela que senti com meus amigos.
Aquela do escárnio, e da troça,
piadas velhas, com jeito de roça.
E assim percebo que como o inverno
tudo que vivemos é preciso exorcizar
Pra que se possa renovar
novas risadas e amizade.
Assim, me deito,
ao som da batucada
pois sei que logo logo é carnaval,
e o que antes me passava com frieza
agora é leveza...
e durmo afinal.

domingo, 23 de agosto de 2009

choro da partida

Era um olhar vazio
de pupilas dilatadas
de ventos ermos em teu semblante.
Era o desalento
que ficou na lágrima
presa, fugiu num instante.

Ouviu-se até o som oco
do gotejar na terra batida.
Sentiu-se percorrer o corpo
o som da partida,
o que talvez não fosse mal sinal.

sabia mesmo que o coração soprava frio
e o por quê do vazio, ou do sopro invernal a ressoar...
tinha certeza de que seria apenas um suave arminho
mas as certezas são incertas e costumam nos enganar.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Poesia calejada

Entre os dedos
esparsos medos
escorrem estanques
até o chão.
Na calejada mão
do poeta, que espreita
olhares, gestos e risos.
Aos gritos e berros sujeita
à sua condição
de não ser livre.
Ele vive atado:
mente aberta,
coração engaiolado.
Sente, sofre,
vive a vida de outros.
Observa a todo o tempo
para seu desgosto
o brilho da têmpora
a pele, o osso.
Vibra sem rumo
à emoção alheia
e a ele se assemelha
a velha louça desagastada
o barco sem prumo,
navio sem proa.
Entre vitórias,
tristes derrotas
e dias de glória,
sabe que seu destino é voar
com suas asas com grilhões
De pernas tortas
e andar até o fim,
quando o vento
leva-o com desdém,
como a mãe sem seu rebento
tirar-lhe a idéia de vez.
Esse é o destino
de quem num inocente desatino
decide pela poesia, e pela dor.
pés e mãos calejados
ansiando sempre
sem sono e muito café.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Pão dormido

Frustrado, esmoecido,
Vê-se João, saindo de casa
com cara de pão amanhecido,
sentando na varanda e ohando pro céu...

[pensava consigo mesmo:

"É João....o mundo tá ficando louco!!!
Tu estás envelhecendo,
tuas barbas tão de molho,
e tua Maria, tá fria...
Nunca mais saiu pra ver o sol,
e tá vendo essa agonia,
a briga do revirar no lençol?
É o dia-a-dia!!!
Tá te matando aos poucos
te jogando aos porcos
rindo de você, com desdém!
Ah, desgraçado!
Acreditas agora no Além?
Pois deveria,
far-te-ia bem...
Pois se pensas nessa tua vida morta
sem caminhos, sem porta
e se não tens pra onde ir,
nem no Além, nem aqui
Há de convir que carcomido estás!!

Ferro exposto a maresia
ou sereno comendo a carroça
teu corpo, essa joça
tá apodrecendo sem dó,
até virar pó.

Nem viagra, nem milagre
nem reza braba de padre,
estás nadando contra a maré.
Nem catuaba,
quente como só ela
tá te deixando dar trela
pra essas jovens donzelas..

O melhor que tu fazes
é esperar pelo sol
estender suas pernas
[antes que ela estiquem de vez
recostar sua bengala....
e gritar, enfim pra mulher:
minha velha, me TRAZ O CAFÉ!!!

sábado, 31 de janeiro de 2009

Da carne

Em meio a fotos
teu seio em foco.
Minhas mãos desnudas
em teu ventre afunda
o meu desejo de ter você.
No céu, a lua descobre
as matas ao redor.
É gemido em teu semblante,
E dos amantes
o suor.

Um grito, teu sussurro
giras a cabeça sem rumo.
Tomas meu corpo
ama-me a torto
e a direito.
Consome a noite
hoje sem leito.

Amor assim,
estúpido, carnal
se vê logo o fim
como no carnaval.
Na quarta-feira, cinzas
No sábado,
chama.
E ainda hoje sozinho na cama
pressinto a sua vinda.
E permanece em mim
o sentimento de poesia inacabada
Algo está por vir.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

De mãos livres

Sobressalta o coração do amante
ressalvas do amor
que cego segue sem sim
sem sentir o clamor bárbaro
dos dias que minam a nossa história
que vive de glórias
passadas a tentar sangrar a cor
dos olhos meus que fitam
tuas íris multicoloridas
são idas e vindas
de vidas já esquecidas.

Me fizeste pelas chamas passar
de pés virados pra trás
pra não perceber o quanto já havia percorrido
e perdido
pelos teus seios
em que horas passeei
e de quando me lembrei
do fulgor juvenil
das noites maldormidas
e nem dormidas
vendo o pôr-do-sol
e esquecendo de pôr o lencol
deitando mesmo sobre a relva
sem leis da selva, sem testa calva
e as lembranças enegrecidas
pelos teus únicos sorrisos.

Peço perdão a mim
e a mais ninguém.
Seu sorriso foi deboche
da minha falha tentativa
de te fazer feliz, enfim.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Noite Fria

Acordou com seu coração engasgado na garganta. Tinha a sensação de que o frio invadira seu leito, devido ao pesado suor que deixara escorrer sobre a roupa de cama. Assim foi a noite de João. Mais uma, como muitas que ultimamente vinha passando.

Dormira tarde novamente e, apesar dos dedos cansados de passar de conta em conta, em uma intensa missão cujo objetivo era o sono alcançar, nem mesmo suas preces pareciam fazer efeito. Acostumado que já estava, jogou bruscamente seu cobertor contra o ar, enquanto suas pernas buscavam encontrar chão firme. Era assim desde novo, nunca jogava-se da cama sem antes perceber o solo. Talvez fosse uma marca de como lidava com a vida. Mas, era apenas um hábito que adquirira desde a infância.

Reconhecendo seu quarto, os poucos móveis que o compunham e a fraca luz que adentrava pela porta do banheiro, iluminou o abajur que ficava sobre o criado-mudo que pertencera a sua bisavó. Estendeu os braços, erguendo-se. Buscou apoio em algum livro, mas não havia nada do que ainda não soubesse ou sobre que já não tivesse lido.

Subitamente, um grunhido agudo rompeu o silêncio que pairava em seu quarto. Procurou, sobre as pontas dos pés, algo que não alcançava sem auxílio, em uma prateleira que certamente pertencera ao antigo proprietário daquele imóvel. Malograda a tentativa, de mãos vazias, vasculhou todos os cômodos de sua casa.

Na sala, as cortinas baloiçavam no ritmo da suave brisa que entrava gélida pelas janelas entreabertas. E sobre o sofá, percebeu uma sombra que parecia-lhe muito familiar. Um gato branco de formas arredondadas fitava o movimento das cortinas. Parecia compreender uma beleza singela que, aos olhos de João, passava desapercebida. Sentou-se no sofá ao lado do gato e procurou também entender que estranha sensação era aquela que sentia o animal.

Hipnotizado, recostou a cabela, aconchegando-se ao lado do felino e encolheu-se como um feto. Jurava ouvir “der Tod und das Mädchen”, de Schubert, soando ao longe, acompanhando as cortinas. Lentamente, cerrou os olhos.

Um sopro gelado atingira seu peito. O gato, fitando seu dono, lambeu-lhe a face, mas não recebeu o carinho que outrora costumava receber num gesto de retribuição. Pulou a janela e parou por um momento. Parecia olhar pra trás, como que certificando-se da imobilidade daquele que fora seu dono. Sob a lua azulada, desceu pelo jardim daquela casa de tons amadeirados. Ao portão, como uma sentinela, aguardava-o uma mulher de vestes negras e feições felinas. Era mais um lar que deixava pra trás. Era mais um trabalho dentre sua perene missão.

E o vento continuou a mover as cortinas que dançavam no ar daquela sala, que agora parecia ainda mais frio...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Alceu Valença - Coração Bobo

Meu coração tá batendo
Como quem diz não tem jeito
Zabumba, bumba esquisito
Batendo dentro do peito

Teu coração tá batendo
Como quem diz não tem jeito
O coração dos aflitos
Batendo dentro do peito

Coração bobo, coração bola
Coração balão, coração São João
A gente se ilude dizendo
Já não há mais coração

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Lágrima

A lágrima,
mãe das horas minhas,
olhos encolhidos,
sábias lágrimas que choram sozinhas.
saudades com gosto de sal.
mentiras e gestos insípidos.
o medo e dureza do mal.
que é azul profundo e dor nas entranhas,
trem que te leva
e passa com a pressa
de quem já se foi
e já não sabe voltar.

e a morte do nosso amor,
no jardim de hortênsias
ontem vivas, hoje cinzas
ao som de um sino, um louvor.
São três badaladas.
três vezes te amei:
antes , durante e depois.
São três lágrimas
que molham o semblante que cultivei
E por fim, o inevitável torpor agonizante,
é o travesseiro e é o cobertor.