Acordou com seu coração engasgado na garganta. Tinha a sensação de que o frio invadira seu leito, devido ao pesado suor que deixara escorrer sobre a roupa de cama. Assim foi a noite de João. Mais uma, como muitas que ultimamente vinha passando.
Dormira tarde novamente e, apesar dos dedos cansados de passar de conta em conta, em uma intensa missão cujo objetivo era o sono alcançar, nem mesmo suas preces pareciam fazer efeito. Acostumado que já estava, jogou bruscamente seu cobertor contra o ar, enquanto suas pernas buscavam encontrar chão firme. Era assim desde novo, nunca jogava-se da cama sem antes perceber o solo. Talvez fosse uma marca de como lidava com a vida. Mas, era apenas um hábito que adquirira desde a infância.
Reconhecendo seu quarto, os poucos móveis que o compunham e a fraca luz que adentrava pela porta do banheiro, iluminou o abajur que ficava sobre o criado-mudo que pertencera a sua bisavó. Estendeu os braços, erguendo-se. Buscou apoio em algum livro, mas não havia nada do que ainda não soubesse ou sobre que já não tivesse lido.
Subitamente, um grunhido agudo rompeu o silêncio que pairava em seu quarto. Procurou, sobre as pontas dos pés, algo que não alcançava sem auxílio, em uma prateleira que certamente pertencera ao antigo proprietário daquele imóvel. Malograda a tentativa, de mãos vazias, vasculhou todos os cômodos de sua casa.
Na sala, as cortinas baloiçavam no ritmo da suave brisa que entrava gélida pelas janelas entreabertas. E sobre o sofá, percebeu uma sombra que parecia-lhe muito familiar. Um gato branco de formas arredondadas fitava o movimento das cortinas. Parecia compreender uma beleza singela que, aos olhos de João, passava desapercebida. Sentou-se no sofá ao lado do gato e procurou também entender que estranha sensação era aquela que sentia o animal.
Hipnotizado, recostou a cabela, aconchegando-se ao lado do felino e encolheu-se como um feto. Jurava ouvir “der Tod und das Mädchen”, de Schubert, soando ao longe, acompanhando as cortinas. Lentamente, cerrou os olhos.
Um sopro gelado atingira seu peito. O gato, fitando seu dono, lambeu-lhe a face, mas não recebeu o carinho que outrora costumava receber num gesto de retribuição. Pulou a janela e parou por um momento. Parecia olhar pra trás, como que certificando-se da imobilidade daquele que fora seu dono. Sob a lua azulada, desceu pelo jardim daquela casa de tons amadeirados. Ao portão, como uma sentinela, aguardava-o uma mulher de vestes negras e feições felinas. Era mais um lar que deixava pra trás. Era mais um trabalho dentre sua perene missão.
E o vento continuou a mover as cortinas que dançavam no ar daquela sala, que agora parecia ainda mais frio...
Um comentário:
Odiaria morrer perto de um gato!
seria um sinal de q n vou p um bom lugar...
se é q existe algum lugar p se ir depois
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